Ana Wuo conduziu-nos a uma nova viagem rumo à montanha. Iniciaríamos a noite com um aquecimento - chamado de meditação ativa pela doutora. Caminhamos por uma trilha cujo trajeto era atravessado por um rio de águas cristalinas e purificadoras. A fluidez do líquido possui função de limpeza em seus múltiplos sentidos. Ali na água havia um peixinho querendo brincar. Ele mordiscava nossos pés, chamando nossa atenção. Em minha experiência particular a comicidade iniciara, pois a ingenuidade e a pureza impregnadas na sonoridade da voz de Ana me despertaram risos.
Posteriormente, passaríamos por uma caverna. Naquele local nosso corpo passaria por um processo de (des)forma. Minha abertura à condução de Ana fez com que eu me conectasse às suas palavras de maneira intensa. Meu corpo parecia responder sozinho aos seus comandos. O som metálico, que ela emitia de tempo em tempo, exercia magnetismo sobre mim. Minhas articulações pareciam se desmontar, encontrando oposição de forças. Meu pescoço parecia ter-se desprendido, pendendo para baixo com a ajuda do peso da cabeça, enquanto meus braços se dirigiam para o lado oposto ao do quadril.
Após atravessar a caverna, deveríamos escalar uma montanha rochosa. Ana descrevia nosso trajeto: agarramos pedras em busca da chegada ao topo. Não estávamos sozinhos. Subíamos ao lado de uma pessoa muito especial. Alguém que não víamos há muito tempo. De súbito, recordei-me de Gleice, uma amiga de infância que eu não encontrava há muitos anos. As lembranças mais fortes eram nossas brincadeiras no quintal, em um canteiro de terra que tinha em minha primeira casa. Felizmente tenho alguns registros fotográficos com ela.
Conforme Ana descrevia a escalada não pude evitar a emoção - sobretudo quando chegada a despedida. Deveríamos olhar para nossa pessoa imaginária e vê-la diminuindo até caber na palma de nossas mãos. Depois essa imagem se transformaria em nós mesmos - nossa versão da infância. Nesse momento as lágrimas escorreram: eu estava tomado por nostalgia.
Seguimos nosso trajeto adentrando um castelo localizado mais à frente do topo da montanha. Ali passaríamos por diversas portas até encontrarmos uma arca. Dentro dela havia uma concha; dentro da concha havia uma ostra; dentro da ostra havia uma pérola: uma pérola vermelha que emanava uma luz da mesma cor. Minha conexão com a condução de Ana era tamanha que mesmo de olhos fechados eu senti essa luz vermelha vibrando em meu rosto, ecoando em minha imaginação.
Deveríamos colocar essa pérola em nossos narizes. Ela representava o palhaço, sua máscara: a menor do mundo. Segundo a doutora essa é a máscara que mais revela, desnudando o artista de uma série de amarras, possibilitando a liberdade de ser bobo, desajustado, palhaço… de despertar. E assim abrimos os olhos e deveríamos sentir-nos observando tudo e sendo observado de volta.
Quando abri os olhos, com o corpo ainda desalinhado pelo curto momento na caverna, senti uma energia diferente. Senti que eu estava distinto do habitual. Senti-me um idiota e havia um prazer muito grande em não saber absolutamente nada. Não saber o que fazer, como me mover, como falar…. Sentia-me totalmente alinhado, mesmo com o corpo “configurado” de forma extracotidiana.
A próxima etapa da aula consistia em realizar alguma atividade do cotidiano e mostrar para os colegas. Mexer o caldeirão, tirar algo do pote, passar rímel, pentear os cabelos, cheirar o próprio hálito e sacudir lençol: essas foram as ações que desenvolvemos individualmente.
Logo depois Ana sugeriu fazermos uma audição, criando uma coreografia com esses movimentos. Lúcia e Ana seriam nossas avaliadoras. Poderíamos colocar uma música de nossa preferência ou utilizar a sugestão tocada pela doutora. Cada um, de modo muito particular, realizou sua dança e apresentou de que país vinha e qual o nome da coreografia. A aula seguiu com todo o suspense das profissionais de avaliação sobre quem havia sido selecionado.
Devido à conexão instável, Matheus, que iria apresentar-se como Magrilindo, seu clown, teve que optar por transmitir um vídeo já publicado no perfil @palhacosvisitadores . Sua performance abordava uma dieta pra lá de subjetiva. Magrilindo debocha de suas próprias “características magrescas” e instrui aos visualizadores a como - não - fazer uma dieta.
Seguimos para a etapa final da aula onde Wuo, Mateus e Lúcia fizeram alguns apontamentos importantes sobre o palhaço hospitalar, como sua performance impacta positivamente na vida dos enfermos, as normas hospitalares, sobretudo a questão da biosegurança e das possibilidades de profissionalização do clown nesse ambiente.
Finalizamos o encontro definindo uma palavra para o que o encontro havia significado:
Hudson: Luz
Ana: Sombra
Mandy: Desprendimento
Antônio: Aleatório
Gabriel: Dominó
Mateus: Ternura
Ximia: Leveza
Lis: Conforto
Que essas palavras sejam corporeificadas em nossa prática do presente, do passado e do futuro: o fazer clownesco!
Um comentário:
Muito bonito esse palhaço da capa. -q
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