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Práticas Patéticas

    

    O segundo encontro da Disciplina Tópicos Especiais em Práticas Patéticas - digo, Poéticas - e Artísticas ocorreu novamente pelo aplicativo Google Meet. A ministrante e doutora, Ana Elvira Wuo, transbordava serenidade e calmaria e falou sobre triangulação: uma técnica utilizada por atores para comunicar-se com seu público. Trata-se de olhar e (ver)dadeiramente enxergar. 

    “Você olha para tudo e tudo olha para você”, explicou-nos Ana. O palhaço vê e enxerga tudo e absolutamente tudo devolve seu olhar para ele. A forma geométrica do triângulo é capaz de explicar as ligações que um ator faz quando olha e interage com quem - ou o quê - está em cena com ele, bem como com o espectador, peça fundamental em seu exercício cênico. 

    Começamos um aquecimento de algum modo meditativo. Deveríamos plantar os pés no chão, sentados em nossas cadeiras, fechar os olhos e soltar um pouco as articulações: coluna, ombros, pescoço. joelhos. Wuo adaptou a prática para a modalidade remota da disciplina. Em condições diferentes esse aquecimento é realizado com os cursantes deitados no chão.

    Após alguns minutos, Ana nos conduziu à uma viagem por meio da imaginação. Estávamos em uma trilha rumando em direção à uma montanha. Deveríamos pintar com a imaginação o espaço onde estávamos, bem como a nós mesmos: nossa pele, nossos órgãos. No caminho cruzaríamos com um riacho de águas cristalinas e purificadoras. A água deveria nos perpassar e olharíamos para nossas mãos e pés. Nossos membros estavam diferentes: eram de criança. Aqueles “nós” da viagem era nossa versão da infância. A criança que molha os pés, escorrega e cai.

    Mentira! Foi apenas a conexão da Ana que caiu devido à uma tempestade e com a mesma calmaria que havia chegado ela regressou passados alguns minutos. Sua paciência tornou o incidente técnico irrelevante e pudemos retomar a atividade. Os próximos passos envolviam memórias de nossa infância: as brincadeiras que gostávamos. 

    Recordei-me de brincar sozinho em meu quarto de “Fazendinha”. Montava minha própria fazenda com peças que formavam a cerca, a casa e depois organizava as pessoas e os animais. Quando nos foi solicitado colocar essa memória em ação, não consegui concretizá-la em movimento, então olhei à minha esquerda e vi minha geladeira. Essa imagem me transportou para as brincadeiras de pique na rua: pique-esconde para ser mais específico. 

Levantei-me da cadeira onde estava e me escondi atrás da geladeira. A fresta entre ela e a prateleira me dava a visão necessária para vigiar meu “inimigo”. Os resquícios de adrenalina e sede de vitória tomaram conta de mim. A empolgação por “bater meu nome” e salvar a todos representava o auge da brincadeira. 

    Depois, tive a oportunidade de ouvir o relato de outros colegas da disciplina e perceber quão ricas eram suas lembranças. Matheus brincava de Samurai usando uma vassoura como espada, Mandy corria ao redor de seis cadeiras e as contava ilimitadamente imaginando haver novas cadeiras, Gabriel soprava uma bolinha que rolava em cima do trilho feito com linhas, Lis fazia uma dancinha engraçada e Lúcia brincava de gangorra e deixava os coleguinhas de castigo no topo dela. 

   Posteriormente, assistimos à performance de Ximia Boia, palhaça de Lúcia, na qual ela surgia caracterizada e se relacionava com alguns objetos cênicos: uma maleta, sua boia e uma boneca parecida com ela. Lúcia colocou o estado do ridículo em prática e pudemos perceber em sua performance o uso da técnica de triangulação. A maneira como ela se relacionava com os objetos e a câmera me remeteu ao presente onde a arte tem sido apresentada sobretudo por meio dos recursos digitais..

    Finalizamos a aula com um exercício de olhar com a ponta do nariz, dilatando todo o corpo. A coluna, empregada na ação de direcionar o olhar conferia outro aspecto ao ato, um aspecto extracotidiano. “Ver com curiosidade”, sugeriu Ana. Olhamos para a direita, para a esquerda, para cima, para baixo, para nossas mãos, para nossos pés e até mesmo para nossas axilas. Olhamos a nós, aos outros, ao mundo. O mundo sob nossa ótica particular e subjetiva. Nossa doce - será? - ótica.



2 comentários:

MateusSPO disse...

Registro muito minucioso da aula! Obrigado, Hudson!!

Gabriel Grace disse...

Eu sempre adoro trabalhar com triangulação, e isso com o clown parece ser uma atividade muito mais divertida do que geralmente. Olhar pra tudo e tudo me olhar de volta me ajuda muito a encontrar esse estado infantil do clown. Inocente. Essa primeira atividade foi e será que grande ajuda pra que nasçam os clowns da disciplina