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Transgredir com arte

Descobrir e compreender o clown como um artista que existe em cada pessoa e emprestar-lhe a vida é um ato de persistência, desprendimento e muita coragem, pois o clown mostra que além de outras condições humanas, existe uma que evitamos revelar, a do fracasso.  As pessoas adoram rir do fracasso do outro, assim Bergson (1983) já dizia.
Construir o aprendizado da capacidade cômica exige o rompimento de um conhecimento cristalizado, solidificado na inteligência, na esperteza, no sucesso, mostrando um outro ponto de vista social, estético e cultural ao avesso, transgredindo, com arte, valores preestabelecidos pela sociedade (Ostetto; Leite, 2004, p.11), a área artística “tem a transgressão como mola propulsora de sua construção”.
Transgredir é burlar o conhecimento como forma de encontrar a si mesmo como um ser risível, como possibilidade, na arte clownesca, da renovação cômica do conhecimento, sem limites atravessando o outro lado do espelho, a outra margem do rio, virando o outro lado da moeda, encontrando o coração corajoso e forte daqueles que dedicam as suas vidas a criar personagens cômicos que desde os primórdios tem como objetivo inverter a ordem pré-estabelecida construindo uma “capacidade de parodiar” e de rir das situações humanas. Larrosa (2001, p.178) nos diz:

“Os personagens cômicos são seres que não estão implicados, que não entendem, que não participam, que estão sempre por fora, a uma certa distância do que acontece. Mas são capazes, sobretudo o pícaro, de tudo parodiar, de ocupar qualquer palavra direta, de reproduzir parodicamente, quando faz falta qualquer tipo de patetismo... O idiota simplório, esse bobo de que todos se riem e que não é tão tolo quanto parece, isola e distancia a convencionalidade da linguagem elevada, simplesmente não a entendendo, ou entendendo ao contrário, mas provocando sempre distância entre a linguagem e a situação comunicativa... desnaturaliza as linguagens elevadas ao invertê-las.”

Assim, o riso provocado na platéia pelo clown, mostra a realidade a partir de outro ponto de vista. Esta seria a função do desmascaramento do convencionalismo: desenha-o com apenas um traço e o coloca a distância. O riso questiona os hábitos e os lugares comuns da linguagem. Em qualquer época, em qualquer lugar, Larrosa (2001) explica que o riso transporta a suspeita de que toda linguagem direta é falsa, de que toda vestimenta, inclusive toda a pele, é máscara e, somente com o riso é que podemos, como disse Bakhtin (1987, p. 57): “ ter acesso a certos aspectos extremamente importantes do mundo.”

Texto completo, por Ana Wuo: ftp://ftp.usjt.br/pub/revint/57_56.pdf
Imagem: Clown Gergelim (arquivo Cirurgiões da Alegria - 2011)